sexta-feira, 5 de dezembro de 2008

Homenagens póstumas








Se é que algum dia irei merecer qualquer tipo de homenagem, que não seja póstuma. Para quê, se já cá não vou estar para a receber?
Sempre odiei homenagens póstumas. Sempre gostei de homenagens em vida.
Sempre as achei, as póstumas, rídiculas, hipócritas, cínicas e fora de prazo.
Que se homenageie Saramago enquanto vivo. Que se prestem todas as devidas homenagens a Herberto Helder enquanto vivo. Assim como se deveriam ter prestado a Fernando Pessoa.
As homenagens póstumas cheiram-me a cinza, a corpos putrefactos, em decomposição. Cheira-me a funerais, a vestidos negros e a lenços rendados na cabeça. A carpideiras contratadas.
As homenagens póstumas cheiram-me a lágrimas sentidas (poucas), e a outras que levam o H da hipocrisia reflectido na sua transparência.
As homenagens póstumas fazem-me lembrar abutres que esvoaçam sobre as carniças sem vida, tentando debicar-lhes algum pedaço de carne para o seu privado festim.
É nas homenagens póstumas que aqueles que nunca gostaram de nós, aqueles que sempre nos atacaram, aqueles que sempre nos odiaram, aqueles que sempre foram nossos inimigos (descarados ou na sombra), nos vêm tecer loas e derramar elogios.
Amigos de ocasião que riem chorando o nosso desaparecimento.
Por isso, se me quiserem prestar homenagens, que o façam enquanto respiro. Para poder retribuir com um sorriso, com um abraço, com uma palavra, com um gesto de não morto.

Mas também não andarei por aí, como algumas, a pedir comendas e estátuas. Ou nomes de becos ou esconsas travessas. Quanta pobreza têm os pobres de espírito e os umbigos desmedidos. Quanta pobreza têm os que tudo julgam que têm e os que tudo julgam que são.

A esses jamais lhes prestarei a minha homenagem. Seja em vida. Seja póstuma.
Aos outros, já lhes comecei a prestar.

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